"Vamos estrear o Macbeth numa sexta-feira, 13. E o que tiver de acontecer, acontecerá." Carlos Avilez ri, que é o melhor que se pode fazer perante as superstições. "Chamam-me louco. Vamos arriscar, afinal, não é todos os dias que uma companhia faz 50 anos." Pois não. Para o Teatro Experimental de Cascais (TEC) esse dia é hoje e vai ser assinalado com a peça de todas as maldições e que para o encenador era um sonho já antigo: "Esta é a peça. Shakespeare é um autor único e este é um texto extraordinário. Se não a fizer agora, quando será?"."Ainda há bocado estávamos a começar e já passaram 50 anos", comenta o encenador. Se quiser recordar o princípio disto tudo tem que ir mais atrás, aos tempos em que era ator do Nacional, sob direção de Amélia Rey Colaço, e em que, para aproveitar os três meses do verão criou com alguns colegas uma pequena companhia itinerante a que chamaram Gente Nova em Férias. "Durante dois verões viajámos por todo o pais em dois carros atulhados com os cenários e tudo.".Depois, um dia, o também ator João Vasco apareceu a dizer: há um teatro vazio em Cascais, podíamos tentar ir para lá. Foi assim que se instalaram no Teatro Gil Vicente onde a 13 de novembro de 1965 estrearam Esopaida, de António José da Silva. "Era longíssimo, não havia autoestradas. Vir para aqui era um ato de descentralização", lembra..[artigo:4880051].Do grupo inicial do TEC faziam também parte Maria do Céu Guerra, Zita Duarte, Santos Manuel, Manuel Cavaco e António Rama. Mas a companhia teve sempre as portas abertas - por ali passaram nomes como Amélia Rey Colaço, Eunice Muñoz, Glicínia Quartim. Ali se iniciaram atores como Mário Viegas, Alexandra Lencastre, António Feio ou Diogo Infante..Resistir "com dificuldades".Em 1983, a companhia mudou-se para o Teatro Mirita Casimiro, no Estoril. Em 1992, foi criada em estreita ligação com o TEC, a Escola Profissional de Teatro de Cascais. E, em 2004, o Espaço Memória , um museu, dirigido por João Vasco, com cenários, figurinos, fotografias e toda a história destes 50 anos..Manuel Amorim não acompanhou essa história toda, mas quase. E, embora não seja estrela da companhia nem tenha o seu nome em letras grandes nos cartazes, a verdade é que há 43 anos que colabora com o TEC: é o maquinista ou, como se diz agora, diretor técnico. "Sou eu que faço isso tudo", diz, apontando para o palco. É ele que tem de concretizar os cenários idealizados pelos cenógrafos, de pôr as luzes nos lugares certos do palco, de fazer com que portas se abram e fechem, que explosões aconteçam, que alçapões funcionem. "Um dos maiores desafios foi o Rei Lear (1990), que tinha a plateia lateral e o palco estava escavado no chão e tinha uma rampa até ao teto.".Para este Macbeth, que tem cenografia e figurinos de Fernando Alvarez, Manuel teve, em comparação, pouco trabalho: construiu um trono e umas quantas colunas. O cenário é minimalista, mas o espetáculo não, garante Carlos Avilez: "Temos resistido. Não tenho feito aquilo que gostaria e quando o faço é com grandes dificuldades, mas temos resistido.".Para lá do palco, ficam as salas de trabalho. A secretaria onde, há 13 anos, Bia trata de todas as papeladas, uma fila de pequenos camarins, chariots onde se penduram as roupas que vão ser usadas, o gabinete de Carlos Avilez com as paredes cobertas de fotografias, de Marilyn Monroe a Amélia Rey Colaço, James Dean ou Shakespeare. Não há luxos. Não há dourados nem brilhantes. "Já vivemos melhor", admite Carlos Avilez. "Mas esta é a minha casa. Nem pomos a hipótese de sair daqui.".Atores "da casa".Ainda falta uma hora para o ensaio. A sala está na semiescuridão. No palco alguns atores parecem fazer exercícios. Atirar pedras, puxar cordas, apanhar limões. Ninguém diria, mas estão ali a treinar a voz. Ana Ester Neves, cantora lírica e professora de voz, dá apoio aos atores da companhia há já alguns anos. "Os atores chegam aqui ao fim do dia já com a voz cansada e, às vezes, vêm de outros trabalhos e até têm dificuldade em mudar para o tom certo", explica. Ana Ester ajuda-os a falarem, gritarem, sussurrarem "de forma eficaz e saudável". Ali estão eles aos urros e aos gritos, antes de se porem a dizer as suas falas, uma e outra vez..Como Miguel Amorim que como filho de Macduff tem de gaguejar de forma convicta e natural. "Não é fácil", admite. Miguel é o mais novo ator neste espetáculo. Tem 17 anos e frequenta o 12.º ano, ou seja, o 3.º ano da Escola de Teatro. "Eu queria ser muitas coisas e o teatro é onde posso ser tudo o que quiser", diz. Das poucas experiências que teve num palco, já sabe que gosta de "dar ao público, de fazer as pessoas rir e chorar, de as tocar". E também sabe que fica nervoso, sempre, como se fosse a primeira vez. "Toco no palco e benzo-me antes de entrar, se não o fizer acho que vai correr mal.".Quase que se poderia dizer que este Macbeth se faz quase todo com a prata da casa. Para além dos atores históricos da companhia, como Teresa Côrte-Real, Luiz Rizo ou Sérgio Silva, no palco estão vários ex-alunos da escola e que ali deram os primeiros passos das suas carreiras, como Lídia Muñoz, Cláudia Semedo e Raquel Oliveira, as três bruxas. Mas também como o protagonista Marco D"Almeida e a "sua mulher", Flávia Gusmão, que regressam ao TEC. "Há 12 anos que não representava aqui. Lembrava-me do cheiro desta casa. Estive aqui dez anos, naquela fase inicial. Estas pessoas eram a minha família", lembra a atriz que ainda há pouco era Electra e que agora faz Lady Macbeth..Está quase tudo pronto para esta noite. Leonor Nunes, que se senta na bilheteira, logo à entrada, confessa que também fica nervosa com a estreia. "Gostava que estivesse sempre cheio." Passam 50 anos e talvez alguém tenha tratado do bolo de aniversário mas Carlos Avilez garante que não preparou qualquer discurso: "Eu sou um homem de bastidores. Faço o meu trabalho do lado de cá.".O espetáculo fica em cena no Teatro Mirita Casimiro, no Monte do Estoril, até 27 de dezembro.